quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A REVOLTA NO CORAÇÃO Bia de Alencar

Bia de Alencar                                                   biadealencar@gmail.com



A REVOLTA NO CORAÇÃO


Espaço aberto e democrático, a Praça Nove de Julho é um misto de graça, magia e reflexões. Em meio a tantas coisas e tantas cores, caminhos nos levam ao seu coração bombeado pelas águas da fonte, que jorra incessante. Um bálsamo de paz que nos remete ao ventre materno.
Coqueiros tão altos e árvores frondosas, algumas bem velhas e outras nem tanto, dão vida ao seu corpo, que baila esvoaçante.
Na busca por flores encontramos amores em corpos abraçados, sentados nos bancos incômodos, alheios aos espantos e recriminação, quem sabe, talvez, de aceitação dos olhares juízes para tal situação.
É gente que passa cortando caminho, não pára, não olha só segue o destino e num andar castigado, saltita, equilibra nas portuguesas, que com certeza estas pedras não podiam estar ali.
Uma contradança na praça embaraça o avanço, desviando o caminhante para outro lugar. De um lado a mangueira em compasso de valsa, com jatos entoando molhada canção, vai lavando asfixiante tapete branco e amarelo, pintado por pombos. Empurra pra cá, empurra pra lá e a pressão da água dá a impressão de tudo limpar. Todo dia ela faz tudo sempre igual na lavagem deste “cocódromo”. Do outro lado, pombos, pombos e mais pombos com suas botinhas rosadas, sapateiam de alegria no compasso da fartura dos milhos lançados de uma bandeja. Uma visão romântica, obscurecida pelo dissabor contido.
Rodeada por táxi, ônibus e motos, com caldo de cana e policiamento na esquina é ponto de encontro de campanhas educativas e cidadania. De vendas de rifas, de comidas e pregadores da Bíblia. Encontro das artes, encontro políticos, encontro cívicos. Ali tudo se encontra nos desencontros da vida.
Quais aves expulsas da mata, perdidos de tudo até de si mesmo, mendigos nos bancos, sentados ou deitados, esperam as migalhas caírem no prato e na falta de um tudo ainda lhes restam, pelo cachorro encontrado no abandono, o amor de um novo dono.
Coloridas nas vestes e com rostos pintados, sabedoras do nosso destino no traçado das mãos, ciganas nos chamam, com sorriso de ouro, pedindo aproximação. Se aceitas, agacham-se e desfilam o nosso futuro, por simplesmente “2zão”. Um futuro barato para um tão caro presente.
De costas para a fonte, estáticos no canteiro e longe do passeio, monumentos esquecidos do alto do pedestal procuram o olhar de alguém no meio da multidão, na esperança da lembrança de seus feitos e suas glórias. De bronze vestidos e a tudo assistindo sem chorar, sem sorrir, nem aplaudir de um lado o doutor José Foz e do outro o Major Felício Tarabay.
Como pombos no milho homens arrulham jogando baralho, jogando barulho. Reduto masculino formado por grupos idosos que jogam truco trocando insultos sem se cansar no desconforto do banco nesta hora de estar. Não se ouve falar em dor na coluna, pois só em sua casa o papagaio voltará a bicar. Numa tosca prateleira o café e água são servidos impedindo a saideira que só na hora do almoço o local é esvaziado para voltar depois da “siesta”, a ser novamente tomado. Gozado seria se um dia as mulheres deixando a cozinha, o tanque e os netos, tomassem os assentos e começassem a jogar. Rebelião eclodida. Estaria decretada a Guerra do Truco.
Num momento de rei o homem se senta em elaborada cadeira achando-se importante com alguém aos seus pés. Como num toque de mágica e por tão pouco preço, o cansado sapato de tanto embate, ressurge lustroso nas mãos do engraxate.
 Apesar das polêmicas carrinhos de churros e outros ambulantes continuam a labuta na batuta da insegurança na espera de bom tempo ou do aval ambiental.
Objetos expostos no chão atraem os nossos olhares ofertando a arte nativa com penas e sementes nos brincos e colares. E agachados na escolha esquecemos por um momento esta selva de cimento.
À noite tudo se acalma e o ritmo de preguiça toma conta do lugar quebrado pelas serestas domingueiras, que evocando o passado espalham melodias pelo ar.
Com vida pulsante por toda semana é assim a nossa praça que tem nome de revolta num vasto coração.




                                                                                                        Bia de Alencar


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