terça-feira, 18 de outubro de 2011

DE TODOS PARA TODOS. - Graça Aquino

Graça Aquino (gracaquino@hotmail.com)

cidade: Fortaleza
estado: CE
idade: De 61 a 70 anos
sexo: feminino
categoria: OUTRAS
titulo: DE TODOS PARA TODOS.
texto: Graça Aquino.

Não há nada mais importante na vida do que relembrar quando descobri que sabia ler.



Ao ler Paulo Freire, em seu gigantesco livrinho A importância do ato de ler, tomei aos poucos conhecimento de sua infância e do seu contato com seu mundo particular e lembro-me que, por várias vezes, parei a leitura para relembrar minha própria infância e os meus primeiros contatos com a palavra escrita.

Essa volta ao passado foi um ato de amor a mim mesma porque não há nada mais importante na minha vida do que relembrar quando descobri que sabia ler. Não tinha completado os sete anos de idade nesse dia inesquecível e minha mãe me puxava pelo braço, como sempre fazia. Andávamos pela Rua Liberato Barroso, ainda não existia o calçadão, e íamos com pressa; almoçamos correndo porque a mamãe tinha uma reunião na sede da LBA, onde trabalhava.

Nesse dia, olhei para os cartazes das lojas e percebi que entendia aquelas letras juntas e comecei a lê-las. Fiquei doida, como se costuma dizer, não acreditava, eu queria ler tudo, minha cabeça dava voltas de quarenta e cinco graus e meu corpo de cento e oitenta. A mamãe não conseguia me segurar, eu só queria ler e ela, nesse momento, deve ter vivido seu primeiro dilema: a alegria porque eu tinha descoberto a leitura e o atraso que eu estava provocando em seu compromisso profissional. Ela estava orgulhosa porque contou rindo para todas as amigas o motivo do atraso. Na volta para casa, ganhei a cadeira da janela do ônibus só para ficar lendo tudo que surgia na minha frente. Não sei se nessa época eu era banguela, mas isso não teve nenhuma importância porque rimos muito. Foi um dos poucos estados de comunhão com minha mãe.

Essa alegria de saber ler é um direito de todos. Não dá para imaginar minha longa vida sem meus livros, sem minhas noites de leitura. Se me tirassem as leituras de Clarice Lispector e suas entrevistas em que revela a própria alma; os contos de Lygia Fagundes Telles e seu estranho chá com Simone de Beauvoir e ainda seu encontro com Hilda Hilts; as crônicas de Rubem Alves sempre falando de beleza com uma mansa tristeza; Lya Luft que me mostrou as Perdas & Ganhos da vida; Noberto Bobbio com seu Elogio da serenidade; Bertrand Russell em seu O elogio ao ócio; Michel Foucault com a sua Microfísica do poder; as poesias de Mário Quintana e sua solidão amiga; as poesias de Fernando Pessoa, seus heterônimos, a vida e obra desse homem que viveu na semiobscuridade; a leitura de Jean-Paul Sartre e a sua maneira crua de ver a vida que tanto influenciou minha adolescência; em contrapartida tive Isaac Asimov com seus sonhos de um futuro distante que me ensinaram a sonhar com outros mundos, outros povos; e os tantos filósofos que passaram por minhas mãos que não tenho espaço e nem memória para citá-los; sem eles eu não seria a pessoa que sou hoje.

Nesse embalo poderia citar os clássicos, mas esses eu os vejo com certo trauma; o trauma da obrigatoriedade da leitura. Ler o que determinam, com prazo certo, é quase sempre ler por obrigação, sem o prazer da leitura, raras são as exceções. Não tenho fórmulas, receitas para tornar a leitura agradável em sala de aula ou como trabalho para casa. Só sei da minha experiência que mesmo antes de aprender a ler já gostava das revistas em quadrinhos, como a do Cavaleiro Negro, O Fantasma, o Zorro com seu cavalo Sílver e seu amigo índio, o Tonto; como também não posso deixar de citar os livrinhos de bolso, da minha heroína da adolescência, a Baby, a espiã Brigitte Montfort, com seu apartamento na Quinta Avenida, voltado para o Central Park, em Manhattan; e sua mãe, a Giselle Montfort, a espiã nua que abalou Paris.

Agora, uma coisa eu posso confessar sem o receio de um rótulo ou fazer parte de algum catálogo de julgadores da intelectualidade dos outros: não abro mão de um romance de ficção científica, policial e de espionagem. Nada melhor para preencher o tempo do que um Sidney Sheldon, como por exemplo: Conte-me seus sonhos ou Se houver amanhã; uma Rosamunde Pilches, em Os catadores de co nchas ou O dia da tempestade; Chitra Divakaruni, em A senhora das especiarias; Frederick Forsyth, em A alternativa do diabo ou O dossiê Odessa; e tantos outros. Na minha idade, o que realmente importa é o que gosto de ler e o que me satisfaz.

Mas uma coisa eu posso afirmar com certeza: saber ler é um direito inalienável de todo ser humano. Não é possível crescer um homem ou uma mulher sem saber ler. A leitura abre as portas de diversos mundos. Pela leitura o homem se transforma e a sociedade ganha, o país se desenvolve. Acabar com o analfabetismo, trazer a leitura com qualidade para a sala de aula é um compromisso de todos, não só dos educadores.

Cada ser que aprendeu a ler tem uma dívida com o outro que não teve essa oportunidade e deve ser responsável em repassar o que recebeu, só assim, um dia essa dívida estará paga. Quem recebeu formação em colégio público, faculdade pública, tem essa dívida para com a sociedade, com o Estado. Poucas horas de leitura em uma sala
de aula, ou um relato de sua experiência com os livros, seriam formas de retribuir o que recebeu graciosamente. Tudo é uma questão de política educacional, de querer que aconteça uma mudança. A educação é um direito de todos nós e ler é um direito de todos para todos!

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